Apresentando Jimi Hendrix: o maestro melódico do aprendizado de máquina
Descubra como as trajetórias de Jimi Hendrix e Brian May se conectam ao desenvolvimento da Inteligência Artificial!
C onta a história que o pai de Jimi Hendrix notou seu interesse pela guitarra ao perceber cerdas de vassoura no pé da cama de seu quarto. O jovem Jimi se sentava na ponta da cama e dedilhava a vassoura como se fosse uma guitarra imaginária. Essa guitarra imaginária se transformou nos primeiros acordes quando encontrou um ukulele com apenas uma corda enquanto trabalhava com seu pai. O ukulele danificado foi suficiente para que Jimi começasse a reproduzir músicas que ouvia no rádio. Pouco tempo depois, seu pai lhe deu um violão usado, seguido por uma guitarra. Toda a evolução musical de Hendrix aconteceu sem que a ele tenha sido ensinado música. Foi por meio da experimentação e observação que aprendeu a reproduzir e posteriormente criar suas próprias músicas, uma estratégia conhecida como aprender a tocar “de ouvido”.
Nesta mesma década de 1950 Brian May, que se tornaria guitarrista da banda Queen, teve seus primeiros encontros com a música enquanto ainda criança. Seu pai, um entusiasta musical, possuía um ukulele, no qual Brian aprendeu seus primeiros acordes aos 6 anos. Aos 7 anos, começou suas primeiras aulas de piano, ao mesmo tempo que se dedicou entusiasticamente ao violão. Aos 15 anos, com a ajuda do seu pai, que era engenheiro eletrônico, construiu a sua própria guitarra. Tendo como base seus conhecimentos técnicos sobre guitarras, ao ouvir a música “Stone Free” de Jimi Hendrix, ficou impressionado e pensou que grande parte do som da guitarra era um truque de estúdio. “Fomos ver Jimi no teatro Brian Epstein e fiquei de queixo caído. Eu nunca tinha visto nada assim. Ele só tinha um amplificador Marshall e acho que um PA, mas o som era simplesmente colossal. Foi pura magia”, disse May em uma entrevista. “Todos nós pensávamos que sabíamos o que era tocar guitarra. Jimi destruiu todas as limitações que nenhum de nós realmente sabia que existiam” acrescentou May.
Aproveito estas duas histórias para ilustrar duas estratégias utilizadas no desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial (IA): a abordagem “baseada em regras” e o “aprendizado de máquina”. Neste paralelo, enquanto Hendrix mergulhou na criação musical, nutrindo seu talento “de ouvido”, Brian May deu início ao seu aprendizado de forma mais estruturada, imergindo na teoria musical durante suas aulas de piano. No mundo da IA Hendrix representa o “aprendizado de máquina” e May o “baseado em regras”.
Do ritmo da guitarra à evolução da inteligência artificial
A trajetória de Jimi Hendrix e Brian May nos transportou para o mundo da música. Suas habilidades e talentos transformaram acordes em melodias inesquecíveis. Agora, daremos um salto da harmonia das guitarras para a “sinfonia” das tecnologias de IA.
No processo evolutivo das tecnologias usadas no desenvolvimento de sistemas de IA, podemos identificar três distintas “ondas”. Essa concepção das ondas foi apresentada por John Launchbury, ex-diretor do Information Innovation Office da DARPA, Departamento de Defesa dos Estados Unidos. A primeira onda é caracterizada pelo desenvolvimento de sistemas de IA “baseados em regras”. A segunda onda se destaca pela ampla utilização do “aprendizado estatístico”, mais conhecido como “aprendizado de máquina”. E, por fim, estamos apenas no início da formação da terceira onda, denominada “adaptação conceitual”.
Neste texto, vamos focar nas duas primeiras ondas de desenvolvimento da inteligência artificial.
Primeira onda
A primeira onda é caracterizada pelo desenvolvimento de sistemas de IA “baseados em regras”. É por meio dessas regras que o sistema toma suas decisões. Fazendo um paralelo com a música, é como aprender a tocar um instrumento, como Brian May, utilizando a teoria musical como base.
Como exemplo de sistema da ‘primeira onda’, podemos citar o Deep Blue, um supercomputador especializado em xadrez desenvolvido pela IBM que alcançou, em 1997, o feito histórico de vencer Garry Kasparov, um dos melhores jogadores de xadrez de todos os tempos.
Para o desenvolvimento do Deep Blue, um grupo de engenheiros auxiliados por mestres enxadristas desenvolveu um sistema incorporando regras de funcionamento do xadrez, estratégias de cálculo das melhores jogadas e até mesmo um banco de dados com aberturas de jogos de xadrez, também conhecido como “biblioteca de aberturas”.
Até a década de 1990, muitos sistemas de IA, incluindo os primeiros tradutores automáticos, usavam a estratégia da “primeira onda”. Nessa abordagem, especialistas em linguagem criavam regras gramaticais e de sintaxe, que eram então programadas no sistema para mapear estruturas linguísticas do idioma de origem para o idioma de destino.
Segunda onda
A segunda onda é marcada pelo amplo uso do “aprendizado de máquina”, em que os sistemas de IA adquirem conhecimento por meio de técnicas estatísticas, analisando e extraindo informações de grandes conjuntos de dados para identificar padrões e tomar decisões com base em probabilidades. Fazendo novamente um paralelo com a música, é como aprender a tocar um instrumento “de ouvido”, por meio da escuta, experimentação e tentativa e erro. Isso se assemelha ao que Jimi Hendrix fez com seu ukulele de apenas uma corda, tentando reproduzir as músicas que ouvia no rádio.
Certamente você já interagiu com sistemas de IA da “segunda onda”. Esses sistemas detectam e-mails com spam, realizam reconhecimento facial, traçam rotas no mapa, sugerem produtos durante compras online, reconhecem e respondem à nossa voz e traduzem textos entre várias línguas. Todos esses sistemas são essencialmente construídos aprendendo a realizar suas funções por meio de exemplos. E quando digo exemplos, refiro-me a uma quantidade significativa, indo além dos milhares e, em muitos casos, chegando aos milhões. Essa abordagem de aprendizado de máquina requer uma grande quantidade de dados para funcionar adequadamente. Além disso, esse processo de aprendizado pode ser refinado continuamente à medida que esses sistemas recebem mais exemplos e dados, tornando-os cada vez mais precisos e eficientes em suas tarefas. Esse aprimoramento constante é uma das razões pelas quais a IA tem alcançado avanços notáveis nos últimos anos.
Como a estatística da aprendizagem funciona?
Espero que, mesmo depois da palavra “estatística”, você ainda esteja lendo este texto. Como escrevi no texto Desmascarando a IA acredito que só conseguimos aproveitar ao máximo uma tecnologia quando desvendamos o seu princípio de funcionamento. Ao compreendermos como uma tecnologia funciona, seus pontos fortes e fracos, podemos utilizá-la de forma mais eficiente e adaptá-la às nossas necessidades específicas. Mas não se preocupe se você, assim como eu, não é um gênio da matemática, pois não precisamos nos aprofundar no assunto para compreender a relação entre IA e Estatística.
Suponha que você seja o proprietário de uma loja de sorvetes e esteja interessado em compreender como o clima influencia suas vendas diárias. Para isso, você coletou dados históricos que incluem as vendas diárias de sorvete e as informações sobre a temperatura máxima em cada dia. Agora, utilizando esses dados, vamos desenvolver um sistema de IA capaz de prever as vendas futuras de sorvetes com base nas condições climáticas.
Primeiro vamos conferir os dados que foram coletados.
Para proporcionar uma visualização mais clara dos dados coletados, apresentei-os na forma de um gráfico que relaciona o volume diário de sorvetes vendidos com a temperatura máxima registrada no mesmo dia.
O gráfico nos permite observar se existe alguma influência da temperatura nas vendas diárias de sorvetes. Buscamos identificar padrões ou tendências que possam nos auxiliar na previsão das vendas futuras.
A análise dos dados coletados também nos ajuda a determinar qual modelo de “aprendizagem” é mais adequado para resolver o problema em questão. Felizmente, existem dezenas de modelos já estudados e experimentados disponíveis. É como se tivéssemos acesso a uma biblioteca, na qual podemos consultar, estudar e escolher o modelo mais adequado para nossa tarefa. Uma informação interessante é que a escolha, ajuste e otimização dos modelos de aprendizado de máquina é um processo de experimentação.
Voltando à nossa analogia com a música, o processo de escolha do modelo é como “tocar de ouvido”, o que pode parecer inesperado em um contexto geralmente associado a métodos matemáticos mais formais. A escolha, ajuste e otimização requerem muita experimentação (tentativa e erro 😉) para encontrar a melhor solução ao problema em questão.
Mas onde está a estatística?
Ótima pergunta! Ao observar o gráfico, podemos identificar uma correlação linear, ou seja, quando a temperatura aumenta, a quantidade de sorvetes vendidos também aumenta. Consultando nossa biblioteca de modelos de aprendizado de máquina, verificamos que a regressão linear é adequada para resolver esse tipo de problema. Traçando uma reta que se ajuste aos pontos, podemos prever as vendas para temperaturas não coletadas.
Mas como encontramos a melhor posição para essa reta?
Por meio da experimentação, ajustamos valores para posicionar a reta de modo que a distância entre os valores reais e os previstos seja a menor possível. Veja a animação abaixo:
Após encontrar a melhor posição para a reta, nosso “sistema de IA” está preparado para prever o volume de vendas de sorvete com base na temperatura do dia. Vamos conferir a previsão para a temperatura de 33ºC? A figura abaixo mostra que, de acordo com a linha de tendência (ou previsão), a estimativa é que sejam vendidos aproximadamente 204 sorvetes neste dia.
Muito bem!!! 👏 Parabéns a você que chegou até o final deste texto!!! Apesar de ter ficado mais longo do que o planejado, juntos conseguimos desenvolver um sistema de IA!
No exemplo, utilizamos um caso simples envolvendo duas variáveis (temperatura e quantidade). É natural que você imagine que outras coisas, como dia da semana e período no ano, também possam impactar. Sem dúvida, esses fatores têm influência, e à medida que adicionamos mais variáveis, o modelo se torna mais complexo. No entanto, o princípio fundamental permanece o mesmo: com base nos dados coletados, estimamos os resultados.
Parahuari Branco (Parau)
Educação, Tecnologia e InovaçãoCom mais de 20 anos de experiência, Parahuari é apaixonado por educação e tecnologia. Atuou como professor, programador, autor, designer instrucional, gerente de projetos e pesquisador. Ao longo de sua carreira, contribuiu para o desenvolvimento de portais, livros digitais, simulações, sistemas adaptativos e jogos educativos. Atualmente, além de criar ferramentas que incentivam a leitura e a criatividade digital, trabalha com organizações para promover uma adoção responsável da inteligência artificial. Parahuari acredita que transformar a educação é transformar o mundo.