IA nas organizações: Estamos Desenvolvendo Mentes ou Treinando Seguidores de Prompts?
Após dois anos de IA generativa, o que aprendemos sobre seu impacto no desenvolvimento humano?

Em novembro de 2022, o ChatGPT surgiu como um verdadeiro furacão tecnológico. Em apenas um ano, essa ferramenta de IA generativa apresentou um crescimento sem precedentes, conquistando usuários e se tornando uma das aplicações de adoção mais rápida da história. Em dois meses, alcançou a impressionante marca de 100 milhões de usuários mensais[1]. Em dois anos, ultrapassou 300 milhões de usuários semanais, superando com folga a velocidade de adoção dos computadores pessoais e da internet, e atingindo 39,4% de penetração entre adultos economicamente ativos nos EUA[2].
O impacto foi imediato. A chegada do ChatGPT desencadeou uma verdadeira “corrida do ouro” da IA, impulsionando investimentos e acelerando transformações em toda a indústria de tecnologia — e além. Empresas, em busca de ganhos de produtividade e temerosas de perder espaço para a concorrência, apostaram alto. Muitas reavaliaram suas estratégias, investindo na modernização da infraestrutura, na elaboração de diretrizes éticas e na capacitação de suas equipes.
Mas todo esse esforço está, de fato, formando profissionais preparados para essa nova realidade? Ou estamos apenas criando um exército de usuários dependentes da IA, sem o pensamento crítico necessário para explorar todo o seu potencial?
Dois anos ou uma década? O tempo da IA e o tempo do aprendizado
Há décadas atuo na interseção entre tecnologia digital e educação. Como parte deste trabalho criei a abordagem “CRIATIVIDADE.digital” para mostrar como a tecnologia, quando bem utilizada, pode ampliar nossas capacidades e não substituí-las. No final de 2022, fui também impactado pelo “furacão tecnológico” desencadeado pelo ChatGPT. O interesse pela inteligência artificial disparou e, desde então, tenho dedicado uma parte significativa do meu tempo ao estudo da IA generativa e à preparação de equipes e organizações para integrá-la de forma estratégica em seus processos e negócios.
O ritmo de evolução da IA generativa, assim como o da indústria de IA como um todo, tem sido avassalador. Ao olhar para trás, tenho a sensação de que lidamos com essas transformações há muito mais tempo do que realmente se passou. A velocidade das mudanças, a avalanche de novidades e a **pressão por adaptação **estabeleceram um ritmo intenso, quase vertiginoso.
Um exemplo da rapidez dessas inovações: no início de 2023, ferramentas como DALL·E e Midjourney nos deram o “poder” de criar imagens a partir de simples prompts, sem exigir conhecimento em softwares gráficos ou habilidades de ilustração. Impressionante, não? No entanto, antes mesmo de nos habituarmos a essa revolução, em 2024 já tínhamos à disposição ferramentas como Runway e Sora, capazes não apenas de gerar imagens, mas de criar cenas inteiras em movimento.

Embora pareça uma vida, o calendário traz uma dose de realidade: a popularização da IA generativa tem pouco mais de dois anos! Nesse curto período, será que conseguimos capacitar os profissionais para se tornarem verdadeiramente fluentes em IA — capazes de compreender seus impactos e tomar decisões informadas — ou apenas os ensinamos a executar “prompts” e seguir mecanicamente as orientações das ferramentas?
Bem-vindo, 2025
Definitivamente, não se passou uma vida desde o início da escalada do “hype” em torno da IA generativa. No entanto, a intensidade dos últimos anos produziu uma série de pesquisas sobre seu uso e impacto nas organizações. Talvez inspirado pelo início de um novo ano e pelo desejo de revisitar aprendizados recentes, decidi dedicar um tempo à leitura e releitura desses estudos para aprofundar meu conhecimento e questionar minhas próprias premissas. Afinal, se queremos preparar as organizações e suas equipes para um uso responsável e produtivo da IA, é fundamental entender não apenas suas promessas, mas também seus desafios e limitações reais.
E qual aprendizado podemos extrair destas pesquisas?
Além do Hype: Surpresas e Desafios da IA no Ambiente Corporativo
Os desafios para as equipes de Desenvolvimento Humano e Organizacional — Learning & Development (L&D) — são (e continuarão sendo) significativos. A empolgação em torno da IA permanece intensa, e não há sinais de que ela vá diminuir tão cedo. Para quem conhece o Gartner Hype Cycle, já há alguns indícios de mudanças, mas não acredito que a IA Generativa tenha iniciado sua jornada pelo “vale da desilusão”.[6]
Um exemplo interessante: um relatório recente da PwC[3] revelou que, embora as expectativas de aumento de produtividade para 2024 não tenham sido plenamente atendidas, a projeção para 2025 é ainda mais otimista.

No entanto, algumas organizações começam a questionar se o crescimento da produtividade prometido pela IA generativa será, de fato, alcançado. O motivo? Não é a falta de eficiência da IA, mas sim a forma como o tempo “economizado” está sendo utilizado. Em muitos casos, esse tempo não é necessariamente empregado de maneira produtiva.[4]
Além disso, observei que o conceito de “Fluência em IA” (AI Literacy), amplamente utilizado na educação, tem ganhado espaço no ambiente corporativo. E isso é extremamente positivo: não basta apenas “aprender a usar” a IA, é fundamental compreender seu funcionamento, saber quando confiar nela e, mais importante, quando questioná-la. Observei também uma distinção mais clara entre abordagens voltadas para a automação de tarefas e aquelas que buscam ampliar a capacidade humana (job automation vs. job augmentation).
Outro ponto crítico diz respeito à promessa da IA Generativa de liberar os profissionais para atividades mais criativas, agradáveis e de maior valor agregado, poupando-os de tarefas administrativas tediosas. Embora essa premissa tenha se mostrado verdadeira em muitos casos, algumas organizações identificaram um efeito colateral preocupante: o aumento da sensação de “pressão” no trabalho. Ao eliminar tarefas repetitivas, acabamos também suprimindo pausas cognitivas essenciais para a produtividade e o bem-estar dos colaboradores. Antes da automação, essas atividades administrativas monótonas funcionavam como momentos de descanso mental, permitindo a reorganização dos pensamentos.
E os riscos não param por aí. Pesquisas indicam que, apesar da notável eficiência das ferramentas de IA, a dependência excessiva dessas tecnologias pode levar à atrofia de habilidades. Ou seja, ao confiar demasiadamente em soluções automatizadas, corremos o risco de comprometer nossa capacidade de adaptação e resolução de problemas diante de desafios inesperados.[5]
Será que estamos realmente atentos a esses efeitos colaterais e preparados para mitigar esses riscos?
Formando pensadores ou seguidores de prompts?
O sucesso da adoção da IA generativa depende de diversos fatores: alinhamento estratégico, suporte da gestão, maturidade tecnológica e cultura organizacional. No entanto, há um ponto fundamental que não pode ser negligenciado: a capacitação (L&D).
Na mesma pesquisa da PwC, que revela que 61% dos CEOs esperam que a IA impulsione a lucratividade em 2025, chama a atenção o fato de que menos da metade dos líderes no Brasil — e apenas um terço no mundo — planeja incorporar a IA em suas estratégias para a força de trabalho e no desenvolvimento de competências e habilidades. Esse descompasso acende um alerta: a adoção acelerada da IA, sem o investimento adequado na capacitação e adaptação dos colaboradores, pode gerar ganhos imediatos pouco sustentáveis e comprometer a eficiência e a competitividade no longo prazo.
Isso nos leva à pergunta central deste texto: as iniciativas de L&D estão formando profissionais que compreendem a IA e sabem utilizá-la estrategicamente ou estão apenas criando usuários passivos que seguem comandos sem reflexão crítica?
O papel do L&D na era da IA generativa vai muito além de ensinar comandos e funcionalidades. Trata-se de assegurar que os profissionais desenvolvam pensamento crítico, tomem decisões informadas e se adaptem a um ambiente em constante transformação. Se limitarmos a capacitação a ensinar como utilizar a IA, sem incentivar o pensamento crítico, estaremos promovendo dependência — não desenvolvimento real.
O que você faz agora é o que define o futuro
Estamos apenas começando a explorar as implicações de um mundo cada vez mais influenciado pela IA. As organizações que conseguirem filtrar os ruídos do hype e equilibrar inovação com preparo humano terão uma vantagem estratégica significativa.
Se você deseja preparar sua organização para um uso responsável e produtivo da IA — compreendendo seu impacto na gestão de talentos, no desenvolvimento de competências e na experiência dos colaboradores —, assine a newsletter CRIATIVIDADE.digital no LinkedIn e receba insights práticos sobre como a IA está transformando o mundo do trabalho. Esta série de conteúdos foi criada para ajudar você a desafiar pressupostos, aprimorar estratégias e liderar a mudança com responsabilidade.
Parahuari Branco (Parau)
Educação, Tecnologia e InovaçãoCom mais de 20 anos de experiência, Parahuari é apaixonado por educação e tecnologia. Atuou como professor, programador, autor, designer instrucional, gerente de projetos e pesquisador. Ao longo de sua carreira, contribuiu para o desenvolvimento de portais, livros digitais, simulações, sistemas adaptativos e jogos educativos. Atualmente, além de criar ferramentas que incentivam a leitura e a criatividade digital, trabalha com organizações para promover uma adoção responsável da inteligência artificial. Parahuari acredita que transformar a educação é transformar o mundo.